Arquitetura da construção: entrevista com UNA barbara e valentim
Conversa de Laura Rago com o escritório de arquitetura UNA barbara e valentim referente à matéria
“Direito à cidade e arte: a importância de pensar estes saberes de forma integrada e conjunta”
“Nossa ação, a dos arquitetos, mas também a dos artistas que têm participado diretamente das questões urbanas, se dá no enfrentamento de agentes muito potentes nas transformações da cidade”, conta, em entrevista, o arquiteto Fabio Valentim, que junto com a arquiteta Fernanda Barbara, fundou o UNA barbara e valentim, depois de mais de 20 anos como sócios do Una Arquitetos. O escritório atua em projetos de programas e escalas diversos, edifícios de uso residencial, comercial e cultural. Fabio e Fernanda têm vasta experiência em projetos expográficos, em diversos museus e espaços culturais: Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), Instituto Tomie Ohtake, Centro Cultural Banco do Brasil (SP, RJ e BH) e Paço Imperial (RJ), entre outros. Acreditam na parceria e na colaboração entre artistas e arquitetos. Seus projetos já receberam obras de artistas como Elisa Bracher, Rodrigo Andrade e Fábio Miguez. Veja abaixo o nosso bate-papo:
Acima: Exposição “O Vazio como Forma” de Franz Weissmann no Itaú Cultural em São Paulo, em 2019, com projeto Expográfico UNA barbara e valentim. crédito da foto: Una Arquitetos
Laura Rago – Como a arte e a arquitetura podem, juntas, mudar as estruturas dos territórios comuns, que segregam e discriminam os cidadãos minorizados?
Fabio Valentim – Acredito que a arquitetura, nas suas diversas escalas e funções, deva estar sempre comprometida com a melhoria das cidades, promovendo uma vida mais democrática e espaços mais inclusivos. Mas a história da arquitetura é uma história de enfrentamentos. A formação das nossas cidades, especialmente nos países de maior desigualdade social, está marcada, como sabemos, pela exclusão. E, no Brasil, a explosão urbana mais vertiginosa, a partir dos anos 1970, amplificou a escala dos problemas e trouxe dificuldades imensas para o trabalho de enfrentá-los. Acompanhamos com muito interesse o trabalho dos artistas que enfrentam o território urbano mais adverso, pois eles desnudam os aspectos cruéis das cidades, fazem ver o que tende a se tornar invisível no cotidiano. A sensibilidade de cada ação projetual tem que ser construída, caso se pretenda inclusiva de fato, a partir dos mais diversos pontos de vista. Sobretudo o ponto de vista daqueles que não têm tido voz nos processos bastante violentos de disputa do espaço urbano.

Exposição “mal entendidos” de Rivane Neuenschwander no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2014, com projeto expográfico Una Arquitetos, coordenado pelos arquitetos Fernanda Barbara e Fabio Valentim. crédito da foto: Una Arquitetos
Laura Rago – Na esteira do debate acerca da ressignificação e da recontextualização da arquitetura e da arte, como transformar, à luz do presente, os espaços públicos da cidade, diminuindo as assimetrias e indiferenças?
Fernanda Barbara – Desde o início da nossa vida profissional, nós nos dedicamos a projetos de escala urbana, projetos de transporte e equipamentos públicos, num trabalho persistente de conhecimento e tentativa de melhoria da cidade. Entendo que essa função da arquitetura pode se dar, e de fato se dá, no projeto de uma residência, de um pequeno comércio, de um edifício residencial ou de uso misto, incluindo outras dimensões da profissão, como a gestão pública ou a elaboração de normas e leis urbanas etc.
Acho que, com relação às artes, a coisa ocorre do mesmo modo. Tanto os trabalhos feitos de forma mais direta nos espaços públicos quanto outros mais singelos já se mostraram potentes no que diz respeito a essa “mudança das estruturas dos territórios comuns”, como você diz. Mas é importante mencionar que temos visto, há uma década ou até mais que isso, a formação dos chamados coletivos, grupos de atuação que têm conquistado outras perspectivas, apontado para novos lugares. Temos falado na ideia de colaboração, de participações múltiplas e diversas nas ações culturais, da ampliação do território, da presença de vozes plurais. As próprias instituições culturais têm dado muita importância a essas questões. Cada vez mais se questiona não só para quem se fala, mas também quem é que fala. Interlocutores, atores, protagonistas. A pandemia amplifica essas questões, o que é interessante de notar. Há um esforço explícito para ampliar as falas, reduzir os impactos negativos do isolamento social, das enormes diferenças e desigualdades territoriais. Ao mesmo tempo que, estando obrigados a nos comunicar virtualmente, as distâncias e barreiras deste país imenso se diluíram (no que diz respeito a um diálogo institucional, é claro, porque, do ponto de vista das desigualdades sociais, a pandemia foi um baita agravante, como se sabe). Sem querer abandonar a crença em grandes projetos, grandes transformações urbanas, a hipótese de ressignificação dos espaços, de intervenções mais pontuais ganha relevância. Essas intervenções têm representado momentos em que as ações participativas, mais democráticas, encontram também maior viabilidade – num país onde as ações participativas não são valorizadas, muito menos sistematizadas ou regulamentadas. As relações diretas entre arte e arquitetura talvez sejam historicamente complementares e conjugadas. Digo isso por uma razão muito elementar, quase prosaica: a arquitetura tem, quase sempre, que responder a demandas, a programas específicos, a orçamentos mais rígidos, enquanto a arte busca mais livremente seus campos e pode ir mais diretamente ao diálogo, ou ao que vou chamar aqui de comunicação. Também desde o início da nossa vida profissional, trabalhamos em parceria com artistas, em situações diversas. Para dizer o mínimo, essa associação ajuda a romper alguns limites e a ampliar os espaços. Mas isso é uma tentativa de explicar algo que se deu de forma natural, quase inevitável.
Arte e arquitetura operam hoje em campos expandidos e, nesse movimento, uma grande zona de intersecção surge entre elas, permitindo colaborações diversas e com resultados muito interessantes, que aumentam a potência do trabalho de um e de outro na transformação efetiva da cidade ou do território.
Laura Rago – Se é tarefa da arquitetura contemporânea revisar a acumulação histórica das construções das cidades, como pôr em prática esse dever?
Fernanda Barbara – São Paulo é esta cidade imensa, com mais de 20 milhões de habitantes, com crescimento muito rápido, desordenado… Temos, então, uma cidade a transformar, melhorar, e não por refazer. Há o centro histórico de São Paulo e o dos outros 38 municípios que compõem a chamada Grande São Paulo, mas a cidade não se restringe a esses centros, e compreender as dinâmicas locais e as questões infraestruturais que organizam o território urbanizado não é tarefa fácil. É preciso ter uma proximidade grande, contar com múltiplas colaborações para que qualquer intervenção seja positiva para quem vive, trabalha ou frequenta determinado lugar. A cidade é um ser complexo e nos faltam instrumentos e instituições democráticas sólidas. Mas seguimos acreditando que tanto as intervenções pontuais quanto os projetos urbanos mais abrangentes podem ter valores próprios, como objetos de reflexão e diálogo.

Laura Rago
É curadora e crítica de arte graduada em história e pós-graduada em Jornalismo Cultural e em Arte: Crítica e Curadoria. Trabalhou na Folha de S.Paulo como repórter de arte e música erudita, e foi editora-assistente na revista Bamboo. Colaborou para revistas como Vogue, Harper’s Bazaar e títulos da editora Abril. Atualmente, representa no Brasil o artista plástico argentino Tec e trabalha como curadora de projetos especiais na galeria Choque Cultural.
Leia Também
Não tem nenhum comentário