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As mulheres que dominam a Bienal de Veneza

As mulheres que dominam a Bienal de Veneza

 

Coisa rara: passear pela Bienal de Veneza significa se deparar com mais trabalhos feitos por artistas mulheres do que homens – antes tarde do que nunca!

Coisa rara: passear pela Bienal de Veneza significa se deparar com mais trabalhos feitos por artistas mulheres do que homens. Acredita? Para a exposição principal, o curador americano Ralph Rugoff selecionou 79 artistas. Desse total, 42 são mulheres (para comparar porcentagens, são 53% de mulheres esse ano, contra 35% e 33% nas últimas edições de 2017 e 2015). E se formos olhar para além desta exposição, os números ainda aumentam: dos 43 pavilhões nacionais com individuais que estão espalhados por Veneza, 26 são assinadas por mulheres (ou seja, 60%). Antes tarde do que nunca, os curadores e instituições estão correndo atrás do prejuízo!

Em 2017, Christine Macel foi a quarta curadora mulher em 122 anos de história da bienal. A informação é chocante, mas por conta de movimentos como o #metoo, o cenário está mudando e realmente existe uma preocupação em contar não só quantas mulheres organizam e participam de uma exposição, mas também quantos negros, quantos artistas de países do chamado sul-geopolítico e quantas produções outsiders (leia aqui sobre os outsiders da arte). Se começa como um “compromisso” que as instituições culturais têm com a sociedade, com o tempo isso se tornará natural.

 

Mais: Direto da Bienal de Veneza: os assuntos mais recorrentes na maior exposição do mundo

 

PLACENTA NA BIENAL

 

Alexandra Bircken (@alexandrabircken), Hito Steyerl e Rosemarie Trockel foram as três alemãs escolhidas para participar da mostra principal da Bienal, Que você viva em tempos interessantes. Se as duas últimas são estrelas do cenário internacional, Alexandra Bircken era relativamente desconhecida até levar uma placenta para a Bienal de Veneza. Parece um tecido dentro de cubo acrílico, até que se leia o material usado no trabalho, intitulado Nascimento do mundo. Ela apresenta outras peças que também fazem referência à pele, ou aquilo que nos protege e separa do mundo exterior. É assim que ela também traz roupas de látex de um motociclista (que ela cortou ao meio e pendurou na parede, como a pele que estica) ou as quarenta roupas feitas em látex pretos da instalação Eskalation. Elas estão dispostas de tal maneira que parecem pessoas querendo se jogar do alto do Arsenale.

Hito Steyerl gosta mesmo de falar sobre tecnologia e faz isso como ninguém, escrevendo os textos mais reconhecidos sobre o tema relacionado à arte atualmente. Não à toa, ela é a quarta pessoa da arte mais influente do mundo, segundo a lista Power 100 da revista Artreview. Trabalhando entre a academia e o mercado num momento em que as primeiras obras de arte produzidas com inteligência artificial estão legitimando seu status no mercado da arte, ela critica a insistência do ser humano em premeditar o futuro.

PEDRADA NA CABEÇA

 

No pavilhão da Alemanha, importa mais a história do que a exposição. Natascha Süder Happelmann (@natascha.sueder.happelmann)  é o nome errado para Natascha Sadr Haghighian, de origem iraniana, que nunca foi escrito corretamente pelas autoridades alemãs. Então ela preferiu adotar um nome que soe mais germânico, já que ela representaria a Alemanha na Bienal (a crítica à recepção de imigrantes e refugiados já começa daí). Não se sabe onde ela nasceu nem quantos anos tem: as informações são propositadamente diferentes em cada biografia existente sobre ela. Para o trabalho da Bienal, nem a cara e a voz da artista conseguimos conhecer, já que ela anda de lá para cá com uma pedra feita de papel machê na cabeça. O pavilhão alemão foi construído pelos nazistas em 1938 e, ao fechar as suas portas principais e janelas, é como se a artista questionasse quem realmente é bem vindo ali (e o “ali” pode ser o evento de arte, a Alemanha ou aos países de primeiro mundo europeus que fecham suas portas aos refugiados). Além disso, preparou uma instalação sonora, em que seis músicos produziram trilhas apenas com o som de apitos. Se, por um lado, o apito é instrumento usado pela polícia para impor ordem, ele também vem sendo instrumento usado pelos imigrantes para protestar e chamar atenção em diversos países da Europa.

TÁ OLHANDO O QUÊ?

 

Uma das mais belas salas dos Giardini é composta por fotografias da japonesa Mari Katayama (@katayamari) de um lado e da sul-africana Zanele Muholi (@muholizanele) do outro. A primeira é vitima de uma doença do tipo “uma em um milhão”, em que os ossos da perna e das mãos não se desenvolvem. Aos 9, ela optou por ter suas pernas amputadas e sempre costurou as próprias roupas. Num exercício incrível de empoderamento, ela tira fotos de si ao lado de próteses decoradas e de bonecos costurados por ela e que têm apenas dois dedos na mão, como é seu caso. Auto-representação e individualidade também são temas das fotografias de Zanele Muholi, conhecida pelos cliques da comunidade LGBTQ+ na África do Sul. Aqui, ela faz registros de si mesma sempre extrapolando a cor preta da sua pele e desafiando o espectador pelo olhar.

JOGO DA MEMÓRIA

 

Falando em África, vale citar a nigeriana Otobong Nkanga (@otobongnkanga), criadora da belíssima escultura de 26 metros que corta um longo corredor do Arsenale como uma veia. Veins Aligned parece um rio poluído e é feita com materiais extraídos da terra – o mármore (da pedra) e o vidro (da areia) – para fazer referência à exploração colonial e pós-colonial. Julie Mehretu, da Etiópia, já virou uma estrela internacional com as pinturas que faz a partir de imagens que escolhe da internet. Ela as deixa completamente borradas ou projeta-as na parede para então acrescentar dezenas de camadas de tinta, que dão um aspecto tridimensional e infinito para suas telas, como se abrissem buracos na parede. Quanto mais superficiais são as camadas, mais é possível reconhecer as pinceladas. É a maneira poética e imprecisa que ela encontrou para comentar sobre acontecimentos atuais e o como esses eventos marcam, outros deixam rastros e alguns, ainda, desaparecem.

 

Saiba mais: Especial Bienal de Veneza

 

QUER MAIS?

 

É a primeira vez que Áustria apresenta uma individual de uma mulher, assim como Taiwan. Renate Bertlmann já trabalha com o feminismo desde os anos 1970 e, nessa individual, fez uma linda instalação no jardim do pavilhão austríaco em que corações de vidro são atravessados por uma faca. O Paquistão teve sua estreia na bienal desse ano e já chegou logo com um solo feminino, da Naiza Khan (@naiza_khan_art). No espaço da Coreia, Hwayeon Nam, siren eun young jung e Jane Jin Kaisen assinam uma exposição dedicada ao mundo queer na dança e na música, com vídeos sedutores. Sem falar que o ganhador do Leão de Ouro, o maior prêmio da bienal, foi atribuído para o pavilhão da Lituânia, assinado pelas artistas Lina Lapelyte (@linalapelyte), Vaiva Grainyte e Rugile Barzdziukaite. Elas trouxeram uma praia para a galeria, onde treze personagens fazem uma opera-performance cantando sobre o aquecimento global (atenção: a performance só acontece às quartas e aos sábados!).

 

Assista: Chegamos na Bienal de Veneza!

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