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Completou-se o ciclo da banana: a obra do Maurizio Cattelan foi doada para o Guggenheim

Completou-se o ciclo da banana: a obra do Maurizio Cattelan foi doada para o Guggenheim

Entenda como funciona a doação de obras para museus

Quem é mais maluco? Maurizio Cattelan, que em uma das maiores feiras de arte do mundo, a Art Basel Miami, grudou na parede uma banana comprada num mercado local com silver tape e colocou à venda; os três colecionadores que gastaram 120 mil dólares para levar uma edição da banana para casa; ou o artista que tirou a banana milionária da parede e comeu, dizendo que aquilo era uma performance intitulada “Artista com fome”? O episódio que aconteceu em dezembro de 2019 acaba de ter uma atualização nesse mês de setembro de 2020: outro maluco entrou na história e fez uma doação anônima da banana para o Guggenheim de Nova York!

Colagem de Mikaël Barelaud Eludut (@mikadololo)

SOBRE A OBRA

 

O italiano Maurizio Cattelan sustenta uma das obras mais aclamadas hoje em ironia e tiração de sarro – leia tudo sobre ele nessa matéria do Bigorna. Para “Comediante”, a peça vendida na feira de Miami, ele fez o manual “Como fazer uma banana valer 120 mil dólares”, ridicularizando – e se aproveitando – de temas como a autoria, o consumo, a originalidade, as selfies do mercado de arte. Sim, ele estava pensando em tudo isso. O colecionador, por sua vez, não compra apenas uma banana, ele compra uma ideia e um certificado. Ele ficará trocando a banana quando apodrece, mas terá para sempre uma obra do Maurizio Cattelan na sua coleção. E mais do que isso: esse colecionador também atua como protagonista quando faz a aquisição e reitera que aquilo é uma obra de arte. O artista nova-iorquino David Datuna se aproveitou da situação para passar a fazer parte das manchetes dos jornais e entrou na brincadeira que o próprio Cattelan está jogando: o que um artista tem que engolir hoje em dia para receber atenção do mercado? A obra que não é vendida à preço de banana (aumentou para 150 mil dólares) foi agora comprada por uma pessoa e oferecida ao Guggenheim, que aceitou o presente. Por integrar uma das coleções mais importantes do mundo, o valor da obra vai aumentar. Cattelan conseguiu que a banana fizesse o ciclo completo e perfeito do que se espera de uma obra “de sucesso” e riu disso o tempo todo (lembre-se que o nome da obra é “Comediante”!)

 

SOBRE A DOAÇÃO

 

A obra em si é um documento de 14 páginas, um certificado de autenticidade, que dá as instruções para que o museu a exponha. Está escrito, por exemplo, que a banana deve ser trocada a cada 7 a 10 dias, e que deve ser colada na parede a 175cm do chão. Quando uma obra é doada para um museu, é de responsabilidade da instituição conservar a obra, mesmo que seja efêmera, mesmo que seja feita de comida, de ar, de poeira. Como na arte contemporânea a ideia é a obra, essas peças efêmeras podem existir apenas no papel até que um curador decida coloca-las em uma exposição. Também é de responsabilidade do museu expor as obras que integram seu acervo – não adianta ter uma coleção gigantesca, se ele não é reorganizado constantemente. O Guggenheim ainda não disse quando irá expor “Comediante” – mas quando isso acontecer, também é necessário que o museu construa um pensamento crítico sobre ela e partilhe de maneira a auxiliar o público a entender o que a obra significa, representa e critica, que aquilo não é “só uma banana”.

“Sem título (cuscuz)”, 2009, de Kader Attia é feita com milhares de grãos de sêmola de trigo

UMA BANANA OU UM ABACAXI?

 

Também é a responsabilidade do museu catalogar as obras doadas, guarda-la em lugar apropriado e ter equipe especializada que lide com tudo isso. Muitos museus, então, encaram a doação de obras como um pepino: melhor não aceitar essa obra do que ficar com o abacaxi e arcar com os custos para mantê-la. Nesse caso, cavalo dado se olha os dentes, sim: é incontável o número de obras negadas por museus, mesmo que seja um “presente” de um artista.

 

No Brasil, ter uma obra como parte do acervo do MAC ou do MASP, por exemplo, é um salto na carreira de um artista. Isso dá prestígio para seu currículo, pode aumentar o valor da sua obra como um todo e, por isso, é claro que muitos artistas saem querendo doar suas obras para esses museus. Mas é constante o problema de espaço e de financiamento para manutenção. E ainda tem o fato de que a coleção não pode ser apenas um arquivo, ela segue uma linha, um pensamento curatorial e, de fato, muitas obras que são oferecidas não tem a ver com as características que determinado museu escolheu para seguir sua coleção.

 

Entenda: Quem dá o valor de uma obra de arte?

Performance “Atoritoleituralogosh” de Cristiano Lenhardt, foi doada para a Pinacoteca de São Paulo pela SP-Arte (Foto: Jéssica Mangaba para SP-Arte 2019)

DOAÇÃO NÃO DEVERIA SUBSTITUIR AQUISIÇÃO

 

É muito mais fácil, então, quando um museu mostra interesse em uma obra. Nessas ocasiões o artista sabe que pode doar diretamente a obra para o museu. No Brasil, porém, o caso é mais complicado, já que os museus têm substituído a polÍtica de aquisições de obras pela politica de doações. Para o artista, por um lado, é ótimo ver sua obra em um museu, por outro, é bem chato não receber pelo trabalho. Uma saída frequente é o artista ir atrás de um colecionador que tope comprar a sua obra (por um valor mais amigável, muitas vezes a preço de custo) e a doe para o museu que havia sinalizado interesse.

 

BUROCRACIA E PRESTÍGIO

 

No Brasil a burocracia muitas vezes também impossibilita a doação de uma coleção ou de uma obra. Pode ser necessário contratar advogados para desenrascar os papeis e até pagar impostos para fazer a transferência de posse. Uma saída é fazer contratos de comodato, no qual o museu fica responsável por uma coleção por determinado período de tempo, mas legalmente, a coleção continua sendo do colecionador ou da sua família.

 

Nos Estados Unidos, as políticas de doação são muito mais claras e muitas vezes abatem os impostos dos colecionadores que desejam doar, o que pode ser um atrativo. Eles têm uma cultura enraizada no que concerne a participação da sociedade nos museus, nos seus conselhos e no envolvimento de decisões. Isso faz com que milionários queiram doar por prestígio mas também por tradição, valores morais ou porque gostam de atuar como mecenas e entusiastas. Muitos doam anonimamente, como é o caso da nova banana do Guggenheim.

 

Leia mais: O artista que criu um time de futebol: conheça o incrível Maurizio Cattelan

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