Criar uma obra de arte é sinônimo de colocar a mão na massa?
Em mostra no Rio de Janeiro, Daniel Jablonski não expõe pinturas ou esculturas, mas o resultado de sua pesquisa a partir de filmes que mencionam o Brasil
Algumas pessoas já se colocaram a tarefa de entender o que culturas estrangeiras pensam do Brasil. Um caminho para achar a resposta (e, provavelmente, a mais proveitosa delas) é sair viajando. Tem gente que já optou por fazer uma enquete na internet. Outras pessoas, ainda, escolhem a economia ou a política como ponto de partida. Como um bom pesquisador, Daniel Jablonski (@jablonski_daniel) escolheu o cinema. E, como um bom artista, ele decidiu fazer uma instalação a partir do que descobriu. Neste tipo de trabalho, o que vem primeiro: a pesquisa ou produção de uma obra de arte?

INVESTIGAÇÃO NADA IMPARCIAL
Formado em filosofia no Rio de Janeiro e com mestrado na mesma área em Paris, o carioca Daniel Jablonski percebeu que se limitar à academia significa investir sempre na imparcialidade. Foi aí que teve a ideia de produzir trabalhos de arte, onde ele poderia fazer uma investigação sem se preocupar em esconder sua posição pessoal. Como brasileiro que viveu na França, tinha o interesse em entender mais à fundo a visão dos estrangeiros sobre seu país natal. Fez uma busca em todas as legendas de filmes do mundo para procurar a palavra Brasil: eram 5000 longas-metragens, que ele espremeu até sobrar as 200 capturas de telas (ou stills) de filmes que não tem nada a ver com o Brasil, porém mencionam nosso país em diálogos aleatórios (e, na maioria das vezes, bem cômicos). O resultado é a instalação e exposição Still Brazil, em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal, no Rio de Janeiro, até 16 de setembro.

SEM FORMALIDADES
Seu trabalho como artista lhe permitiu ainda fazer uma obra com as fichas técnicas da sua seleção de longas – um mural de adesivos em vinil – e uma compilação de 80 versões estrangeiras de Aquarela do Brasil que, composto por Ary Barroso, em 1939, é uma das músicas mais regravadas do mundo. “Na França, é difícil ser artista sem ter formação na área. No Brasil, eu sabia que teria mais espaço para poder levar a minha pesquisa para arte com mais informalidade”, conta. Assim, ele pôde usar técnicas da pesquisa acadêmica e a infinidade de formas e poéticas da arte contemporânea para compartilhar sua investigação com o público que não num fórum acadêmico.
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ATELIÊ DE CONCENTRAÇÃO
O carioca não sai se sujando de tinta ou precisa usar avental, martelo e gesso durante seu processo de criação, mas nem por isso ele também não merece um estúdio. Ele divide o ateliê coletivo do Pivô, no Copan – mistura de centro expositivo com residência num dos espaços de arte mais bonitos de São Paulo – com outros artistas que, provavelmente, fazem muito mais barulho do que ele. Quando coloca a mão na massa, o que se vê são livros, computador, filmes e muita concentração. Mas não se engane: como pesquisador ele continua sendo artista – e a ordem inversa também funciona.

OS RESULTADOS
“Percebi que quando eles [os personagens dos filmes] se referiam ao Brasil, queriam dizer exatamente o contrário do que estavam dizendo. O Brasil é o contraponto, um lugar inexistente, onde tem tudo e não tem nada”. Ele também fez outra obra-investigação em 2014, O sono louco – quem vigia o vigia?, neste caso, em seu próprio corpo. Durante um mês dormiu amarrado a um relógio usado no século 19 para assegurar que os vigias noturnos estivessem efetivamente acordados. Como Daniel tem dificuldades para levantar na hora que o despertador toca (quem nunca?), quis inventar para isso um distúrbio e, hipoteticamente, colocar a culpa nessa doença sempre que precisasse. Durante 31 dias, registrou o tempo entre o despertador tocar e ele se sentir acordado. A ideia virou uma instalação bem-humorada com despertadores, cadernos de notas, fotografias dele mesmo e vídeos. Para sua próxima individual, na Galeria Janaina Torres, ele vem catalogando absolutamente todos os objetos inúteis que guarda em casa. Sabe aquelas notas de supermercado, ficha da festa junina do ano passado, tampa de caneta Bic? Nas mãos do Daniel, isso também pode virar um bom material de pesquisa!
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