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Desde quando sair andando por aí pode ser chamado de arte?

Desde quando sair andando por aí pode ser chamado de arte?

 

Os artistas-andarilhos Paulo Nazareth e Hamish Fulton ganham exposições em Miami e São Paulo: o que eles dividem conosco são suas experiências

Andar não é mérito nem privilégio de ninguém. Mas para alguns artistas, sair perambulando por aí significa a força-motriz de suas obras – uma ação que, por si só, compreende a produção de uma ou várias obras de arte:

 

ANDARILHO BRASILEIRO EM MIAMI

 

“Nascido em 1977, em Governador Valadares, Minas Gerais. Vive e trabalha no mundo todo”. É assim que o currículo de Paulo Nazareth aparece nos sites das galerias que o representam, como a Mendes Wood DM. Tente entrevista-lo ou encontra-lo e a galeria vai responder que eles precisam esperar o artista parar num telefone público e ligar, já que ele não tem celular. O mineiro está preocupado em andar, descobrir lugares e conversar com pessoas para produzir exposições como a que está em cartaz no ICA Miami, sua primeira em solo americano (até 6 de outubro). Melee comenta sobre a situação política atual do Brasil por meio de objetos que enaltecem minorias marginalizadas ao longo da história. É claro que ele está comentando, também, sobre a própria situação política e social dos Estados Unidos. Para produzir obras do tipo, ele investigou os quatro cantos do Brasil, da América Latina e dos Estados Unidos, sozinho e a pé. Em 2012, por exemplo, ele saiu de Belo Horizonte rumo a Nova York, levando a sujeira da América Latina para os Estados Unidos e lavando os pés apenas quando chegou ao rio Hudson (dá uma olhada no estados dos pés na foto acima).

 

VIAJAR O MUNDO PARA CONHECER A SI MESMO

 

Sabe aquela história de quem viaja para conhecer a si mesmo? Paulo Nazareth tem origem africana e indígena e baseia toda sua obra em conhecer pessoas de diferentes realidades brasileiras, latinas, africanas e até americanas e europeias para investigar e entender as suas próprias raízes. Afinal, tem material melhor para a arte do que as próprias pessoas? Nazareth transforma suas experiências em obras que compartilha com o público: às vezes, faz fotografias das suas performances nesses novos locais (onde ele se mescla ou se destaca), outras produz obras a partir do que viu e coletou. Em Estrangeiro nacional, por exemplo, ele registra alguns minutos da sua chegada num hotel em Belém, quando foi impedido de entrar por um segurança por conta da sua pele negra e cabelo crespo. Na instalação Produtos de um Genocídio, o artista reuniu mercadorias escolhidas em diversos países pelos quais passou que, em comum, tem marcas cujos nomes são de origem indígena ou africana em idiomas de povos que não existem mais. Para denunciar o genocídio desses grupos, Nazareth petrificou itens como as bebidas Tupiniquim e Koikoi em caixas de acrílico.

 

Assista: Fotografias que fazem uma obra existir

ANDARILHO BRITÂNICO EM SÃO PAULO

 

É impossível contabilizar os quilômetros percorridos pelo londrino Hamish Fulton desde 1967. Até hoje, a caminhada mais extensa que ele fez cobriu uma distância de 2838 quilômetros, que foi da costa a costa da Espanha até os Países Baixos. Com a máxima “No Walk, No Work”, ele começou sua carreira ao lado de artistas como Richard Long e Gilbert & George, que queriam estudar novas formas de arte na natureza: eles encaravam a arte como parte indissociável da vida e questionavam os trabalhos em arte apenas em formas de objetos (leia mais sobre arte conceitual nessa matéria). Com esse pensamento, Hamish Fulton inaugurou sua própria linguagem. Percebeu que andar poderia por si só ser uma obra de arte: ele passou a andar sozinho e devagar, sempre com regras auto-impostas, defendendo a ideia de que um objeto de arte nunca poderá competir com uma experiência. Como resultado dessas ações, o artista-andarilho passou a criar seus trabalhos em que registra os percursos em fotografias, textos, mapas, diários ou materiais que encontra na natureza. Boa notícia: algumas dessas peças podem ser vistas na exposição da Galeria Bergamin & Gomide, em São Paulo, que inaugura a exposição Hamish Fulton – A Walking Artist, no dia 13 de agosto (o próprio artista fará uma parada na capital paulistana para a inauguração) .

 

INVESTIGAÇÃO ESPIRITUAL

 

Fulton também encara a caminhada como uma maneira de conhecer outras realidades sociais, e por isso produziu um trabalho político e engajado e que trouxe a dos aborígenes australianos e americanos. Mas sua andanças são ainda mais introspectivas que as de Paulo Nazareth: ele as encara como um processo espiritual e transformador, que investiga a relação entre o homem e a natureza, o artista e a paisagem. É uma ideia transformada em experiência. Esse processo investigativo foi totalmente compreendido e apoiado pelas maiores instituições de arte do mundo, como a Documenta de Kassel, o Pompidou e o MoMA, que já fizeram grandes exposições sobre seu trabalho.

 

Leia: O que é arte sonora?

 

EXERCÍCIO ARTÍSTICO (LITERALMENTE)

 

Tem também um exemplo bem mais recente e peculiar. O americano Lenny Maughan não é um artista-andarilho – o negócio dele mesmo é sair correndo – e por isso, ele cria sua obra de arte ao mesmo tempo em que se exercita. Desde 2015, Maughan desenha uma forma num mapa da cidade de São Francisco e depois corre aquele mesmo percurso. O caminho registrado num app se torna, então, um desenho. Ele já correu e desenhou 53 imagens, mas foi com o desenho da Frida Kahlo na sua última corrida que chamou atenção de alguns jornais americanos. Nesse caso, me questiono se me interesso pela ação e resultado como trabalho artístico. Mas isso é gosto: se ele diz que essa é a arte dele, então é!

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