Deve ser censurada uma obra que sugira assuntos socialmente inaceitáveis?
No Metropolitan, uma pintura de Balthus quase foi censurada; o francês ganha retrospectiva em Madri e levanta novamente a discussão sobre pedofilia
O Metropolitan de Nova York recebeu uma petição com 11.500 assinaturas em 2017, para que fosse retirada da parede uma das mais importantes pinturas do francês Bathus. Segundo o texto da petição, em Thérèse Dreaming, a jovem musa Thérèse aparece numa “posição sexualmente sugestiva, num retrato em que está relaxando numa cadeira com as pernas para cima e a calcinha aparecendo”. O MET, por sua vez, negou retirar o quadro em resposta categórica: “Momentos como esse promovem uma oportunidade para conversação e as artes visuais são uma das maneiras mais importantes que temos para refletir sobre o passado e o presente”. Afinal, uma obra considerada “imoral” por alguns pode ser censurada?

ESTRATÉGIA POLÊMICA
Até o final de maio, o Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, em Madri, recebe a individual com 47 quadros do mesmo artista Balthus, sobre a qual o caderno Ípsilon, do jornal português Público, publicou uma excelente matéria na última sexta (12). A entrevista de Michiko Kono, uma das curadoras da retrospectiva, destaca que “uma das funções principais da arte é mostrar coisas que não são aceitáveis”. A polêmica sempre foi uma característica da obra de Balthus: ele sustentava nas cenas sugestivamente sexuais de meninas, uma maneira de chocar. Esta foi uma estratégia criada por ele e até registrada em cartas. Balthus sabia do seu potencial, mas precisava se destacar em meio a tantos bons artistas do século XX em Paris (Picasso, Miró e Giacometti entre eles). Jogar com a ambivalência de imagens fascinantes, porém perturbadoras, poderia ter grande efeito. E teve!
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LOLITA
Segundo a entrevista, Balthus queria provocar a dúvida e o mistério e, por outro lado, registrar o momento muito breve entre ser uma criança e uma mulher. Mas, ele próprio sabia que algumas pinturas poderiam ser fortes demais. Lição de Guitarra, por exemplo, mostra uma menina semi-nua no colo de uma professora de seios à mostra: depois da sua primeira apresentação em 1934, Balthus não quis que a obra fosse novamente exibida. Caso parecido é do livro Lolita, do russo-americano Nabokov, clássico que provoca controversas até hoje pelo caso do personagem principal com sua enteada de 12 anos (a capa do livro da publicação impressa pela editora britânica Penguin é um dos quadros que Balthus pintou da sua musa Thérèse, enquanto ela ainda tinha entre 10 e 14 anos). O assunto é claramente perturbador, a tal ponto de o livro ter sido censurado em diversos países quando lançado, em 1955. Separe, porém, o autor da sua obra: nunca se pôde provar qualquer crime em nenhum dos casos.
ENCARAR A REALIDADE…
“A maior parte das vezes, estas obras são a reprodução de alguma coisa que está a acontecer na nossa sociedade, na nossa história. São esses problemas que nos devem fazer sentir desconfortáveis, não as obras de arte”, afirma a curadora Michiko. Isso fica muito claro com meu próprio desconforto na exposição em Madri: a paleta de cor, as formas e as marcantes expressões dos personagens me interessaram muito, mas o erotismo presente em algumas imagens me impressionou ainda mais. A questão não está na obra de Balthus – mas em encarar a grotesca verdade da exploração da sexualidade infantil.
…E NÃO JOGAR PARA BAIXO DO TAPETE
No Brasil, em boletim publicado pelo Ministério da Saúde, em 2017, 51% das crianças abusadas sexualmente no país têm de 1 a 5 anos. Fechar os olhos para noticias como esta é fácil; censurar obras que comentam problemas como esse, é fingir que a pedofilia não existe. A arte não serve (somente) para entreter: ela é um dos melhores jeitos de mostrar a urgência de discutir sobre um assunto tabu, coloca na parede, provoca discussão, exige retorno, demanda argumento. A posição tomada pelo Metropolitan foi melhor impossível!
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