Estamos apenas nos referindo à cor quando usamos o termo “cubo branco”?
O jargão criado nos anos 1970 é usado a torto e a direito para nos referirmos às galerias de arte contemporânea até hoje
Quase todas as galerias têm a estética mais ou menos parecida: paredes, teto e piso brancos, luz artificial (e uma ou outra janela), arquitetura contemporânea e muito espaço livre para circular. O jargão “Cubo branco” criado por Brian O’Doherty é tão perfeito para definir estes espaços, que é usado a torto e a direito por qualquer pessoa que queira se referir a eles. Mas sobre o que eles estava falando além da cor quando criou este termo?

Obra de Damien Hirst, na Galeria White Cube (cubo branco), em Nova York
PAREDE BRANCA
Quando um espaço tem informação demais, é bem comum que nossos olhos fiquem fora de foco. Em museus dos séculos 18 e 19, as obras de arte apresentadas competem com os pisos, tetos e paredes adornados. No ambiente branco – quase asséptico – da galeria, nossos olhos encontram foco facilmente, apesar de que muitos prédios arrojados e assinados por arquitetos contemporâneos podem ser um deleite por si só. Ali também é muito mais simples montar peças de qualquer cor, suporte e formato, e transformar rapidamente o espaço “neutro” numa exposição com narrativa visual própria. A ideia ao entrar num destes ambientes da arte contemporânea é deixar para trás a confusão da cidade e, por alguns minutos, existir num novo universo. Já teve esta sensação?
Leia mais: Como funcionam as galerias de arte?

ELEFANTE BRANCO
Uma galeria é uma mistura da santidade de uma igreja, a formalidade de um tribunal e a aura mística de um laboratório experimental, embalados num design descolado. Esta é uma das definições que o crítico irlandês Brian O’Doherty deu para as galerias no artigo “Inside the White Cube: the ideology of the gallery space”, publicado em 1976, na revista Artforum. O texto tornou claras as dinâmicas já existentes em galerias de arte do mundo inteiro. Para ele, a aparente neutralidade da parede branca é uma ilusão: ela representa uma comunidade com ideias e valores sociais e estéticos comuns. Ou seja, cada pedaço de parede branca representa mercado, poder, exclusividade e hostilidade. Provavelmente, os diretores destes espaços não ficaram muito felizes com a publicação do artigo…
Saiba mais: Quem dá o valor de uma obra de arte?

BANDEIRA BRANCA
“Para muitos de nós a galeria ainda transmite vibrações negativas quando passamos pela sua porta”, escreve O’Doherty. Ele acredita que essa sensação tenha a ver com a dinâmica persistente da galeria para manter seu status quo. Hoje, porém, muitos espaços do mercado de arte já ergueram sua bandeira de querer abrir suas portas para qualquer interessado e deixar à vontade os visitantes que queiram apenas ver (e não comprar) suas obras. Ao contrário do que se pode pensar, muitos funcionários têm prazer em receber seus visitas e respondem perguntas das mais óbvias, assim como sabem que suas trabalhosas exposições merecem ser vistas por um número cada vez maior de pessoas. Para muitas galerias, a exclusividade vem sendo substituída por parcerias, preços mais acessíveis e receptividade. Vale a pena levantarmos também a nossa bandeira branca e testar – cada espaço do cubo branco pode oferecer um bom material para o nosso repertório!
Continue: “Começa a mostra internacional de cinema: conheça os destaques da arte contemporânea”
Não tem nenhum comentário