Flip traz arte contemporânea para a festa de literatura: chega de separar linguagens!
A obra nebulosa de Laura Vinci em Paraty prova que cruzar disciplinas e públicos é mais do que necessário
A Flip para a literatura é tipo o Inhotim para a arte contemporânea. Os amantes dessas linguagens passeiam vibrantes, e mesmo quem não é um leitor erudito ou grande apreciador das artes visuais fica embasbacado. Às vésperas da 17ª edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, que acontece entre 10 e 14 de julho em uma das cidades mais charmosas do estado do Rio de Janeiro, a boa notícia é que agora o evento também começa a abraçar a arte contemporânea:
PEDRA NO CAMINHO
Durante cinco dias do mês de julho, as ruelas da cidade histórica de Paraty se enchem de turistas loucos para acompanhar a programação intensa nas casinhas ocupadas por editoras de livros e na tenda principal construída especialmente para a Flip. A ideia é passear pelas calçadas de paralelepípedo (tentando não cair) e arranjar lugar para assistir às conversas que partem de livros, em sua maioria recém-lançados, para falar sobre o mundo. Nesta 17a edição, a curadora Fernanda Diamant montou uma programação que homenageia e atualiza a produção de Euclides da Cunha, escritor fluminense do final do século 19, e é integrada por autores do mundo todo.
NÉVOA NO CAMINHO
Este ano, porém, não só autores, mas também artistas foram convidados para participar da Flip. Se a ideia do evento é ocupar o espaço público com cultura, faz todo sentido trazer instalações artísticas, que também sensibilizam e propõem novos olhares sobre o contexto. Laura Vinci (@lauravincivinci) foi a primeira convidada: ela apresentará No Ar, uma instalação em que interfere na paisagem com uma névoa que paira sobre o chão. Ela faz isso a partir de um sistema de vaporização a frio. A obra vai tornar mais difícil andar em cima dos paralelepípedos – e, com certeza, interferir no caminho e na experiência de cada pessoa que passar por ela.

NOIR
No Ar – que também brinca com o som de cinema noir, em que os filmes costumam ter uma névoa pairando pelo cenário – tem uma pegada bem parecida com dois trabalhos da Bienal de Veneza deste ano, assinados por Lara Favaretto, no pavilhão principal e Laure Prouvost, no pavilhão francês (a obra da Laura Vinci, porém, é mais antiga e vem sendo apresentada em vários lugares nos últimos 10 anos – assista aqui ao vídeo do MuBE). É um jeito literal de criar um espaço nebuloso, como se as artistas fizessem uma crítica aos tempos confusos em que vivemos, às ideias embaralhadas, à comunicação truncada e à perda de clareza sobre acontecimentos e informações.
Muito mais: confira o especial do BIGORNA sobre a Bienal de Veneza
BOA CONFUSÃO
Ainda é pequena a representação da arte contemporânea na Flip, mas o evento promete criar uma residência artística permanente na cidade ainda esse ano, além de nomear um responsável só para tocar esse projeto (o que é mais do que necessário). É muito frequente que eventos culturais se esforcem em separar linguagens artísticas para promover festivais setorizados – para mim, algo totalmente indesejável e, diga-se de passagem, impossível. A própria Laura Vinci vem da área do teatro: ela participa da Mundana Companhia (@mundanacompanhia), que mescla teatro com literatura e artes plásticas em performances como A máquina do mundo, que também será apresentada na Flip, na semana que vem. Separar linguagens e categorizar performances e trabalhos é cada vez menos bem visto por comunidades artísticas do mundo todo. Agora, o movimento é abrir espaço para obras multifacetadas, cruzar disciplinas e públicos, exceder fronteiras e prezar pela produção fértil e inovadora. Se eventos como a Flip não se atualizarem rapidamente, serão deixados para trás!
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