Fotografias de quarentena: quatro projetos que já constroem a história visual dos nossos tempos
Agosto foi mais um mês de Covid-19. Agosto foi mais um mês de quarentena. Foi em agosto quando aconteceu a explosão em Beirut. E agosto também é o mês em que se celebra a fotografia. No encerramento da programação que o BIGORNA dedicou à fotografia, enaltecemos os quatro projetos de foto que mais chamaram a nossa atenção nesse mês.
E que já constroem a história visual dos nossos tempos.
1) ARAB IMAGE FOUNDATION
Há pouco mais de 20 anos, o artista libanês Akram Zaatari (@akramzaatari) se juntou aos fotógrafos Fouad Elkoury e Samer Mohdad para montar uma fundação que preservasse os arquivos fotográficos árabes. A Arab Image Foundation foi criada com sede em Beirut para conservar imagens feitas principalmente no Oriente Médio e promover fotógrafos contemporâneos localmente e para o Ocidente. Com a Guerra Civil no Líbano, de 1975 a 1990, o país perdeu muito do seu patrimônio artístico e a AIF logo se tornou um projeto artístico coletivo em que os artistas como Akram Zaatari viraram curadores e pesquisadores. Eles viajavam por todo o Oriente Médio coletando e catalogando fotografias, guardando-as em arquivos técnicos, descobrindo e escrevendo sobre seus autores.
Hoje eles têm mais de 500 mil fotos de profissionais e não-profissionais, feitas desde 1860, e que tem uma parte incrível disponível online. Este projeto fala sobre memória e história visual e a importância de documentar e enaltecer o registro fotográfico feito por qualquer pessoa, não apenas de nomes que por algum motivo foram registrados nos livros de história. Enquanto você fuça o site, é importante lembrar: não é um arquivo feito por ocidentais sobre o Oriente. Ou seja, ele não tem o imaginário misterioso, caricato e sensual que grande parte da produção americana, francesa e inglesa ajudou a construir. É um arquivo feito por Libaneses para o mundo. E como ele constroi a história visual dos nossos tempos? Ele vai de encontro com o movimento importantíssimo e recente de descolonização da arte, repatriação das obras e apoderamento da cultura e narrativa locais.
Foto de capa por Laurence Philomene (@laurencephilomene), que está entre as 400 fotógrafas do projeto The Journal

“Clashing Realities”, 2006-, da libanesa/brasileira
Lamia Maria Abillama (Cortesy of the artist)

“The Missing of Lebanon”, 2010-, da libanesa Dalia Khamissy
(Cortesy of the artist)
2) LEBANON THEN AND NOW
Uma parte do arquivo da Arab Image Foundation foi atingida na terrível explosão em Beirut, no dia 4 de agosto. A tragédia provocou uma crise humanitária para um povo que já vinha passando por graves crises sociais, políticas e econômicas – é claro que também o cenário artístico se vê novamente prejudicado, agora com a destruição de outros museus e galerias. A fotografia em meio aos cacos e escombros vem sendo literalmente reorganizada pelo staff que luta novamente pela reconstrução da memória, imprescindível para compreender o presente e o futuro do país
Enquanto isso, a exposição online “Lebanon Then and Now: Photography from 2006 to 2020” mostra 50 cliques feitos por libaneses que registram os problemas políticos, econômicos e sociais do país nos últimos anos. É um dos passeios mais agradáveis que fiz online por uma exposição nos últimos meses: tem imagens fotojornalísticas dessas que documentam e revelam absurdos, e também projetos de artistas com personagens singelos e suas histórias. A exposição, que fica online até 25 de setembro, foi lançada antes da explosão e pretendia tatear as possibilidades do Líbano no pós-pandemia.

Foto de Sara Swaty (@Sara_Swaty), de Los Angeles: “Eu me pergunto se as rotinas diárias de beleza que encorajam confiança podem também nos tornar vulneráveis”

“Um vizinho que eu sempre vejo lendo sob o a luz do sol”, por Anne Moffat (@annemoff), que vive em Melbourne, na Austrália
3) THE JOURNAL
Pouco antes das impressionantes fotografias da explosão, durante as primeiras semanas de quarentena o que chocava eram as imagens de ruas vazias que estampavam jornais. Porém, também por conta do Coronavírus, as imagens que naturalmente passamos a consumir eram menos do mundo exterior e mais da realidade dentro de casa. Fotógrafxs profissionais passaram a encarar um marasmo sem fim, e algumas fotógrafas não dormiram no ponto. O Women Photograph (@womenphotograph), projeto que há três anos vem luntado pela inclusão e igualdade de gênero no fotojornalismo, fez uma chamada aberta e tiveram 400 inscritas de todo o mundo para tirar fotos das suas vidas durante a pandemia. Elas se organizaram em 45 grupos de diversas nacionalidades e postam no @thejournal_collective as suas crônicas visuais. São como pequenas exposições organizadas por curadoras novas todas as semanas. É impressionante o que uma fotógrafa de olhar treinado, criatividade, técnica e disposição pode tirar da cartola mesmo dentro de casa.
4 – FOTOGRATENA
Enquanto fotógrafos profissionais perderam seu ganha-pão, usuários do Instagram não tinham visuais bonitos para postar. E, foi juntando lé com cré que o fotógrafo Daniel Arantangy teve a ideia de fazer nascer o @fotogratena. Um dos objetivos é mostrar que não apenas profissionais, mas também gente como a gente, pode olhar para o ambiente doméstico e a intimidade de maneira diferente – e fazer fotos fora da caixa mesmo de dentro de casa.
“A quantidade traz sim qualidade. É impressionante o tanto de pessoas que estão fazendo fotos boas. É muito rico esse pensamento de que qualquer pessoa pode ser fotógrafo: agora você pode tirar uma super foto e não ter o domínio da técnica. Hoje o aparelho faz esse papel para você”, conta o Daniel. O desafio funciona assim: todas as sextas-feiras, ele posta uma missão, como fotografe um “Cabelo”, algo “Azul” ou um “Copo”. Semanalmente, ele analisa 500, 700 ou até 1200 fotografias feitas dentro de casa e marcadas no feed do Instagram com #fotogratena. Cinco meses e vinte missões depois, o Daniel passou de fotógrafo de uma vida inteira (ele fez seu primeiro curso aos 9 anos, trabalhou para todas as revistas de moda que você imaginar e nos últimos anos fez aqueles cliques de babar das revistas de bordo) a um editor em tempo integral.
“As pessoas ainda tem a impressão que arte é o que é bonito. Mas não é isso: as melhores fotografias são as que provocam, que saem do lugar comum, que não repetem o que grandes fotógrafos já fizeram. Eu procuro um olhar pessoal, de quem vive naquela casa, e que vai trazer a intimidade de um jeito que só ela traria”, conta o Daniel. E são essas as fotos que ele resposta no feed de um dos Instagrams mais interesantes da quarentena. Ah! O desafio desta próxima semana é “Fotografe o ano 2020”: Vai tentar?
Essa matéria encerra a programação do Mês da Fotografia no BIGORNA, que contou com ações para enaltecer nossos amigos e colegas fotógrafos que esbanjam talento por aí, vídeos sobre artistas que usam a câmera como principal ferramenta, dicas de foto-livros e live sobre livros de fotografia que são obras de arte, com os editores da Lovely House. Perdeu o papo? Assista aqui:
Luiz Antonio
Setembro 5, 2020at7:00 pmGostei muito da matéria e das fotos.