Quem é Marc Quinn, responsável pela escultura mais emblemática do Black Lives Matter
Conheça também o trabalho ativista do americano Arthur Jafa, artista do momento que dirigiu o novo clipe do Kanye West
Que a história é escrita pelos vencedores é inquestionável. A narrativa da história da arte também sempre foi construída por aqueles que detém o poder. Homens europeus e brancos são aqueles que ditam como a história aconteceu: sua versão é aquela disseminada e glorificada até nos países “vencidos” por eles. Na história da arte são os vencedores que estão nos livros, são as suas obras que alcançam valores exorbitantes, são eles os que circulam pelas feiras, que são donos de galerias, que regem os maiores eventos globais. Como sabemos, o resistente e sólido Black Lives Matter inverte essa lógica em todos os níveis da sociedade e a arte é obviamente um alvo crucial. Questionar o mercado da arte, a sua lógica de funcionamento baseada nos privilégios por meio da própria arte é o que se vem fazendo de melhor. No último dia 15 de julho, o artista Marc Quinn colocou uma escultura da ativista negra Jen Reid num pedestal em Bristol. Há duas semanas, o artista Arthur Jafa virou assunto mais uma vez por ter dirigido o novo clipe do Kanye West. Entenda como esses artistas contribuem com o Black Lives Matter e a repensar os valores impostos pela história da arte:
ESCULTURA DA RECONSTRUÇÃO
O inglês Marc Quinn (@marcquinnart) viu a fotografia que o marido de Jen Reid postou nas redes sociais e logo percebeu que aquele era o momento perfeito para fazer uma escultura dela. Jen Reid voltava para casa depois de um protesto em Bristol quando subiu no pedestal e levantou a mão num ato de resistência. Ali, desde 1985, prevalecia a estátua de Edward Colston, escravagista e membro da Royal African Company, cujos navios traficaram mais de 80 mil escravos da África para a América. Isso até 7 de junho, quando a estátua foi colocada abaixo.
A HISTÓRIA DA ARTE NÃO É UMA SÓ
Quinn pediu que Jen Reid fosse ao seu ateliê para tirar uma foto dela naquela mesma pose e então imprimiu a sua imagem em uma escultura de resina preta, por meio de uma máquina 3D. A escultura não foi feita pelas suas mãos, e o material não é resistente (seria ainda mais interessante conceitualmente se fosse de metal maciço…). Ela não irá durar muito. Alguns dizem que Quinn foi oportunista ao produzir e instalar a escultura pública em silêncio e sem pedir permissão. Oportunista ou simplista, Quinn está se pronunciando como artista. Esculturas públicas têm grandes responsabilidades, porque sustentam valores, e interferem na vida cotidiana dos moradores de uma cidade. Colocar Jen Reid ali é um ato de enaltecimento do Black Lives Matter, da história da pessoa negra, e também um movimento a favor do protagonismo do negro na história da arte. O negro deve ser igualmente representando na nova história da arte que artistas como Zanele Muholi e Kerry James Marshall estão construindo (assista abaixo ao vídeos que fiz sobre ambos artistas). Sim, a história da arte não é uma só e pode ser revisitada e reconstruída sempre!
*Atualização: no dia 16 de julho, 24 horas depois, a escultura de Jen Reid foi retirada pelas autoridades de Bristol, já que foi colocada ilegalmente. Ela durou menos do que eu imaginava. Quinn alegou que isso era previsto e a obra não foi pensada como permanente. A escultura será levada para um museu e cabe a Quinn decidir se ele irá doá-la para a coleção municipal ou vende-la.

A Surge of Power (Jen Reid), 2020

Alison Lapper Pregnant, 2005
DO MEU SANGUE
Marc Quinn já fez outras esculturas públicas similares, sendo a mais importante a da artista Alison Lapper, que nasceu com uma condição física prejudicada, sem braços e pernas. Entre 2005 e 2007, ela ganhou uma escultura de mármore seu corpo, da época em que estava grávida, na Trafalgar Square, em Londres. Se, na história da arte, apenas mulheres belíssimas ganham formas também perfeitas em pedras de mármore, ele questionou com essa escultura o que é beleza, padrão, normalidade. O mesmo gesto de orgulho e reconhecimento de minorias vem sendo disseminado na série que ele vem fazendo no último ano em que fotografa refugiados e a partir das suas imagens faz esculturas em 3D. Uma marca da sua obra é que, desde 1991, ele vem trabalhando com sangue. Em “Self”, ele criou uma série de esculturas da sua cabeça que foram banhadas com o sangue dele depois. Agora, para a ação dos refugiados, ele já coletou 2 mil litros de sangue de 10 mil pessoas para mostrar que o sangue de ninguém é melhor do que o de ninguém. O projeto Our Blood será exposto em Nova York em 2022.
DE JAY-Z A SPIKE LEE
Falando em sangue, o novo clipe do Kanye West tem sangue no nome, “Wash Us in the Blood”, e foi dirigido pelo americano Arthur Jafa (@anamibia), que é o artista do momento, Só se fala no artista do Mississipi desde que ele ganhou Leão de Ouro na Bienal de Veneza, em 2019. Com o trabalho “Love is the Message, The Message is Death”, ele ganhou o primeiro lugar na lista do Artnews das obras mais importantes desta década. É um vídeo de sete minutos bem incômodos que mesclam imagens históricas e atuais para falar sobre a ser afro-americano. E tem como trilha sonora a música “Ultralight Beam”, do Kanye West (não está nas minhas mãos falar sobre alguns comentários controversos do rapper sobre o Trump e a escravidão). Entre os dias 26 e 28 de junho, treze instituições de sete países transmitiram o vídeo online, sem parar, em livestream. Jafa é um artista ativista – artivista para quem quiser – de 59 anos, que lida primordialmente com vídeo, e ao fazer parcerias com Beyoncé, Jay-Z e até Stanley Kubrick e Spike Lee, circula por outros meios menos restritos que o da arte contemporânea e do cinema de arte para levar a luta pela igualdade das pessoas negras para qualquer espaço, seja ele um cinema, em casa, na rua, na Bienal de Veneza, e numa galeria. Quase todos os objetos que ele produz são pretos.
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