METAVERSO E ARTE
O que metaverso e arte têm a ver?
Por Luana Ferrari
Desde que Mark Zuckerberg decidiu chamar o Facebook e adjacentes de META o tema passou a pipocar em todos os canais e mesas de bar de quem entende do assunto. Eu, particularmente, não entendo nada disso e meta para mim é um objetivo. Não entendo, mas sou curiosa e o suficiente para ir à caça de quem entende por que, mesmo sem a gente perceber, esse meta faz muito mais parte do nosso dia a dia do que pensamos.
Eu moro na França e minha família está no Brasil, o que faz com que a minha relação com as minhas sobrinhas de 7 e 5 anos seja toda trabalhada no virtual. Betina, a mais velha, é daquelas que se esconde atrás da mãe se alguém dá oi para ela, e da última vez que eu fui ao Brasil, depois de 3 anos longe, apesar do coração apertado e saudoso de tia, eu usei as 12 horas de avião para me preparar psicologicamente para não chorar quando ela tivesse “medo” de mim.
Fingindo descontração, fui com a minha cunhada buscá-la em um aniversário. Betina entrou no carro. “Oi Be!” – eu proferi com uma confiança mais falsa do que o meu desejo de acordar às 6h da manhã no meu dia de folga. “Oi, tia Lu!” – ela disse. E fim de história. Eu não me convenci, e dias depois confessei para ela que eu tinha ficado um pouco preocupada de ela ter vergonha de mim porque já fazia 3 anos que ela não me via, e a resposta que ela deu foi certeira. “Mas tia Lu, a gente se fala o tempo todo pela câmera do celular”. E foi aí que eu entendi que para a geração das minhas sobrinhas (acho que chama alpha, mas por favor me corrijam porque eu sou millenial cringe) a linha entre o real e o virtual é muito opaca.

A galeria König Gallery criou seu espaço no Metaverso, na plataforma Decentraland
Mas o que é o metaverso?
Que fique claro, talvez o rebranding do facebook tenha trazido o metaverso para o centro do debate e eu tenho certeza de que o Zuckerberg adoraria, mas ele não é o dono do metaverso. O metaverso não tem dono, da mesma maneira que a internet, em si, não tem dono. O que não significa que seja terra de ninguém, mas esse é um debate que vamos deixar para mais tarde.
Quanto a mim, digo e repito: de metaverso eu não entendo nada, mas não tenho nada contra e até tenho amigos que entendem, e se o mundo virtual consegue encurtar os 10 mil quilómetros que existem entre mim e as minhas sobrinhas, eu acho que ele merece a minha atenção. Tanto que eu aprendi que, se a gente pensar bem, nós já vivemos dentro do metaverso faz tempo e eu explico, ou melhor, tento replicar a explicação que me foi dada.
O Facebook descreve o metaverso como sendo “um conjunto de espaços virtuais onde é possível criar e explorar junto com outras pessoas que não se encontram no mesmo espaço físico que você”. E foi aí que o meu mundo caiu quando eu percebi que, se pensarmos de uma forma meio rústica, talvez naquele exato instante eu estivesse dentro de um protótipo de metaverso pelo simples fato de que eu estava tendo aquela conversa pelo WhatsApp: um espaço virtual criado para conectarmos com pessoas que não estão fisicamente presentes.
Pensando por este prisma até o saudoso bate papo do uol é metaverso, mas o que diferencia o metaverso dos anos 90 para a versão repaginada 3.0 do século 21? O foco do Zucker está na realidade virtual. Li muito sobre WhatsApp 3D e o desejo de transformar as reuniões de Zoom em hologramas populados por avatares. Mas será que é isso mesmo? Será que o futuro do metaverso é transformar nosso quotidiano em um grande jogo de videogame onde passaremos metade do dia usando aparatos de realidade virtual?
Para a minha fonte de assuntos de alta complexidade Mike Mills, consultor jurídico que trabalha com startups de hardtech, o que acontece hoje em dia é que novas ferramentas físicas foram desenvolvidas para que a interconectividade entre o mundo real e vários mundos digitais passasse a ser fluida e estes novos mundos digitais se tornassem dinâmicos e persistentes.

Infinite Falling (2021), do WMD Studio
Belas palavras, mas o que eu queria saber é o que significa, na vida real, estes dois espaços funcionando em harmonia.
Eu sou friorenta e vivo com as mãos geladas. Ele insiste que eu deveria comprar luvas apropriadas e que não só eu ficaria com as mãos aquecidas, como isso me colocaria, de uma forma um pouco rudimentar, dentro do metaverso e o percurso foi o seguinte:
Eu escolhi ir à Uniqlo, que é uma loja que existe de verdade em um lindo prédio no centro de Paris, ao lado da Opera Garnier. Abri o Google maps (ou equivalente) que conectou meus mundos virtual e real em diversos níveis. Ele não só me indicou o melhor caminho para chegar lá, como me deu a dica de qual seria o melhor momento para ir e encontrar a loja menos muvucada, checando o gráfico de afluência. Esses dados são gerados baseados em informações vindas do nosso celular. Saque aquele momento em que você permite ou não que o seu celular seja rastreado quando você usa um app? É isso. Ele consegue detectar quantos celulares estão seguindo um trajeto específico e quantos celulares estão presentes em um determinado endereço.

BEEPLE Stills from HUMAN ONE, 2021, kinetic video sculpture
Antes de continuarmos vamos estabelecer uma premissa: um celular é igual a um ser humano e um ser humano é igual a uma pessoa virtual que vamos chamar de avatar. Quando eu estava fisicamente na loja, a Luana virtual (meu avatar) também estava e o trajeto que eu fiz estava ajudando outras pessoas a decidirem como chegar ali, da mesma forma que agora a minha presença na loja acrescentava meu avatar ao gráfico de frequentação do espaço. Luana virtual e Luana real interconectadas. Tudo isso acontecendo sem que eu decidisse ou pensasse a respeito. A única decisão que eu tomei foi sair de casa para comprar luvas.
Próxima etapa. Cheguei na loja e achei a seção das luvas. Eu sou indecisa e apesar da loja fazer uma excelente propaganda sobre a eficácia das luvas, eu fui procurar na internet informações de ‘gente como a gente’ para decidir se a luva era boa antes de gastar meu suado dinheiro. Gente como a gente, mas gente que eu nunca vi na vida. Essas pessoas não se materializaram na minha frente para me contar sobre a luva. Eu, pessoa de verdade, através do meu eu digital (avatar), estava interagindo com o que pessoas de verdade divulgaram na internet via seus avatares.
Se voltarmos para a analogia do bate papo do uol, a diferença é que naquela época as pessoas se conectavam pelo princípio de que era sabido que havia uma pessoa do outro lado da tela do computador. No metaverso, você entra na internet e o seu avatar se conecta com os avatares das outras pessoas.
Imagens do Metaverse Art Week, que aconteceu em agosto na plataforma Decentraland
A arte do avatar
Em um futuro breve, avatar vai deixar de imediatamente nos remeter aqueles felinos humanoides azuis do filme multimilionário do James Cameron. A palavra avatar vem do sânscrito e significa “descendente”. Para nós, mortais, o avatar seria uma encarnação, corporificação ou manifestação de uma pessoa ou ideia; e se trouxermos essa definição para o espaço digital, podemos dizer que nossos avatares são pessoinhas em forma de desenho animado que escolhemos como nossa representação online, como fez o escritor norte-americano Neal Stephenson no celebre romance cyberpunk Snow Crash (1992).
Parece ficção científica, mas a possibilidade de não estarmos mais limitados ao nosso corpo e podermos viajar através do tempo, culturas e distâncias instantaneamente é a realidade que os avatares nos proporcionam. Podemos criar diversos “eus”, que podem estar em vários lugares ao mesmo tempo e podemos ensinar esses eus a fazer coisas que nós não somos capazes de fazer.
Quando comecei a escrever este artigo eu baixei um app para me divertir e criar meu avatar e passei horas tentando conceber um personagem que se parecesse fisicamente comigo. Com algumas versões de Luana avatar na mão, eu comecei a me perguntar se uma figurinha engraçadinha com a minha cara e estilo seria deveras o objetivo dessas criações. Ainda temos a forte tendência de usar nossas fotos como “foto de perfil” nas redes sociais e são nossos rostos reais que aparecem em chamadas de vídeo, mas a minha foto no WhatsApp (instrumento que eu uso para trabalhar além de falar com amigos e família) não é a mesma do perfil do Instagram e do Facebook, e eu apareço de uma forma em uma reunião virtual de trabalho e me apresento diferente quando brinco de escolinha EAD com as minhas sobrinhas.
“Quando comecei a escrever este artigo eu baixei um app para me divertir e criar meu avatar e passei horas tentando conceber um personagem que se parecesse fisicamente comigo”
Estamos começando a perceber que, com a ascensão do metaverso, nossos avatares têm mais importância e potencial do que nunca, e eu falo avatares no plural não porque somos muitos no mundo, mas porque podemos, individualmente, ser múltiplos avatares e enviar uma caricatura piscando de si mesmo para sua mãe em tempo real é apenas o começo. Estamos cada vez mais usando avatares digitais em tudo, mas eles ainda não podem fazer muito. No entanto, da mesma maneira que o smartfone mudou a forma como nos comunicamos, inovadores digitais estão trabalhando para que os avatares possam transmitir informações sensoriais de volta a seus usuários. Essas tecnologias trazem uma fisicalidade atraente aos avatares que desempenharão um papel proeminente em nosso futuro.
Essa fisicalidade faz parte de um mundo que mistura a famosa realidade virtual (RV) e a sua prima/irmã realidade aumentada (RA), duas tecnologias diferentes usadas para propósitos diferentes. A realidade virtual (aqueles óculos capacetes que custam alguns milhares de reais) nos faz viajar para outra “dimensão” nos isolando do mundo ao nosso redor, enquanto a realidade aumentada trás novos elementos e nuances ao mundo real ao nosso redor.
Eu decidi que o meu avatar, por enquanto, vai ser o meu gif favorito retirado da animação “carros” onde um carro azul agita alegremente bandeirinhas da Ferrari como torcedor devoto porque eu me sinto representada naquela imagem. Ela transmite o que eu sinto. Hoje em dia, eu posso criar uma figurinha minha e me colocar sentada no banco de um carro de corrida, mas o que a robótica me propõe é que a través do meu avatar, a Luana da vida real possa, pela Luana avatar, “de verdade” dirigir a Ferrari do Charles Lecerc. Sentir o downforce, a velocidade, o frio na barriga e, no meu caso de fanática, a mesma emoção pueril que o carrinho do gif sente ao hastear as bandeirolas. Você pode fazer seu avatar voar, mas a realidade virtual e a realidade aumentada querem que você possa se sentir voando através dele.
“Celestial Burial” de Zhang Huan, no Pace Verso
Metaverso artístico
Chega de definição cabeçuda e vamos ao que interessa. Todos nós vimos o mundo da arte migrar do analógico para o virtual por conta da pandemia, mas, convenhamos, passada a euforia, a maioria das experiências era insatisfatória e até um tanto chata.
Haja paciência para passar uma tarde passeando virtualmente pelas galerias do Louvre – e eu não estou falando isso porque o museu fica na esquina da minha casa. Grande parte do fascínio dos museus que disponibilizaram suas coleções online gira em torno da vivência presencial. Não havia bonequinhos animados ou uma experiência virtual. Era uma pobre emulação do real e o Louvre, como tantos outros museus pelo mundo, não foi concebido para ser visitado através da tela do celular, e ver uma réplica da Mona Lisa na internet estava longe de ser novidade e privilégio.
E foi quando menos esperávamos, entre uma busca pela vacina e os clichês do novo normal, que nós assistimos ao surgimento das NFTs que impulsionaram a arte virtual de uma forma jamais vista (parênteses para dizer que tem matéria minha sobre as NFTs quando isso tudo ainda era mato).
Rapidamente vimos casas de leilões e galerias se aventurando dentro da Matrix, exibindo e comercializando arte digital. A Sotheby’s criou um espaço permanente, a Christie’s anunciou uma colaboração com o maior mercado de NFTs (OpenSea) e a Pace lançou uma plataforma exclusiva de NFTs para os seus artistas chamada Pace Verso.
Ao passo que o valor de mercado da arte digital aumenta ele torna os ambientes virtuais nos quais vê-la, compartilhá-la e negociá-la mais atraentes. É claro que as galerias tradicionais (reais e virtuais) não vão desaparecer e visitar o Louvre ainda vai ser o sonho de consumo de muita gente, mas as galerias virtuais independentes começam a surgir e passam a propor algo único; um tipo de arte inovadora que oferece ao público uma acessibilidade expandida através de experiências digitais incríveis, trazendo uma nova maneira de criar, abordar e apreciar a arte e artistas emergentes.
Avatar do artista japonês Takashi Murakami, que criou exposições no Metaverso
O futuro é o metaverso ou o metaverso é o futuro?
Arte foi feita para ser vista e a arte contemporânea tem, como compromisso maior, expressar a linguagem do seu tempo.
Seguimos nos perguntando se a beleza da arte digital, com a ascensão dos NFTs, não estaria nas oportunidades que a tecnologia oferece para promover a liberdade de expressão e a autonomia dos artistas. Já notamos que o valor destes tokens criptográficos únicos está diretamente vinculado à criação de uma demanda por novos objetos de desejo. Artistas de todo o mundo têm acesso a uma rede ilimitada de potenciais colecionadores e comerciantes que desejam expandir seus portfólios de arte, e colecionadores experientes e entusiastas da arte muitas vezes desenvolvem conexões diretas com os artistas cujas obras colecionam.
Outro aspecto que permeia este universo é que a arte digital é, de certa forma, simples de ser criada. Nós, que já questionamos até se meme não pode ser considerado obra de arte, não podemos deixar de trazer para o debate o fato de que qualquer artista pode baixar um programa de computador, experimentar seus filtros e produzir uma obra surpreendente. E com o uso de avatares, não haveria mais a necessidade de se esconder em pseudônimos e o anonimato virtual seria um ponto a favor tanto para artistas quanto para colecionadores. Se os NFTs permitiram que artistas quase indigentes desenvolvessem seu trabalho livremente, o metaverso e seus avatares seria, talvez, a plataforma pela qual eles passam a ter autonomia para engajar sua paixão pela arte em todo o mundo através da Internet.
Este metaverso artístico cria conexões significativas entre artistas, celebridades e fãs dentro daquela definição crua que eu citei no começo desde artigo. Será que a exploração destes espaços virtuais poderia criar um legado que virá a inspirar a geração da Betina que me sente tão presente na vida dela por que nos vemos pela câmera do celular?
E quando, através do desenvolvimento da realidade aumentada, eu sair de dentro da caixinha e virar um holograma na frente da minha sobrinha? Qual é a diferença entre um vídeo meu na tela e uma projeção minha no meio da sala da casa do meu irmão? Qual é a diferença entre você ver uma foto da arte e ver a arte em si? E quanto a possibilidade de caminhar por dentro de um quadro?
E se um dia estas galerias virtuais passarem a habitar as ruas de grandes metrópoles e pequenos vilarejos? Da mesma forma que o artista urbano JR se apropria das ruas de Paris ao criar suas obras ilusionistas, eu me pergunto se em breve o metaverso, a RV e a RA não vão permitir que eu dê de cara com um grafite de um artista anônimo de Pirapora do Bom Jesus exposto na faixada do Louvre? E, isto posto, quem disse que o meu avatar não vai poder interagir diretamente com o dele para conversarmos sobre arte por enquanto tomamos um café virtual na Rue de Rivoli, ou em qualquer ruazinha simpática de Pirapora? A evolução do metaverso seria, então, a quase materialização do que começamos a indagar com o surgimento das NFTs sobre o valor e a notoriedade do artista e o valor da obra dentro do mercado?
Dá vontade de pensar que o metaverso artístico talvez tenha nascido para ser quase terra de ninguém. Uma ilha mágica onde os cyber-andarilhos são livres para ir de um canto a outro, de uma experiência artística a outra, sem restrição ou constrangimento.

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