Posso tocar numa obra pública?
Entenda para que servem essas obras espalhadas pela cidade e o que pretendem os artistas ao produzi-las
No Parque do Ibirapuera, em São Paulo, uma chapa de aço gigante sempre vira alvo de pedras jogadas pelas crianças, que gostam de ouvir o som que o choque produz. Em frente ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), alguns ossos gigantes em forma de círculo viram bancos para os educadores do museu proporem atividades para seus grupos de visitantes. Para muitos é uma surpresa quando descobrem que aquelas peças do Jardim das Esculturas são obras de arte, assinadas por dois grandes artistas brasileiros – José Resende e Angelo Venosa – que, caso vissem o que estão fazendo com suas obras iriam…adorar! Mas sempre te disseram para não tocar em obras, não é? Então, vamos lá:
NUNCA TINHA VISTO ISSO AÍ ANTES
Está no nome para quem é endereçada uma obra de arte pública: para o público, ou seja você. Não que outras obras não tenham a função de interação com seu espectador, mas no caso de obras públicas, que não estão necessariamente envolvidos em espaços de arte, mas podem estar no meio do seu caminho para o trabalho ou para casa, o intuito é chamar atenção. Ao se deparar com uma escultura, uma instalação ou um grafite, você muda seu pensamento do dia-a-dia para outros questionamentos, como “Mas eles chamam isso de arte?”, “Que coisa esquisita aquilo ali!” ou “Passo aqui todos os dias e nunca tinha visto isso aí antes”. Seja ela bonita ou feia de acordo com o seu julgamento, uma obra pública sempre irá mudar a paisagem de uma cidade e a sua relação com ela – mesmo que isso dure segundos.
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REAÇÕES APAIXONADAS
Para muitas pessoas, uma obra pública ainda é aquela escultura tradicional de bustos, memoriais ou heróis nacionais e, apesar de ainda poder ter um caráter comemorativo ou decorativo, a obra de arte contemporânea trouxe uma pegada mais fresca e viva para essa tradição (um gesto como colocar coletes salva-vidas em esculturas de figuras históricas em São Paulo, como fez Eduardo Srur (@eduardosrur), é exemplo vivo – e cômico – disso). E não é só para tirar selfies que aquelas esculturas estão ali: elas podem provocar reações apaixonadas e levantar repercussões, como do americano Paul McCarthy que, quando colocou sua obra Tree, em Paris, foi condenado por grupos de direita que afirmavam que a escultura se parecer com um sex toy – a obra inflável não durou dez dias. Por outro lado, a Cloud Gate, de Anish Kapoor (@dirty_corner) virou um símbolo de orgulho para os próprios habitantes de Chicago. Na pequena cidade de Münster, na Alemanha, o festival Skulptur Projekte acontece a cada 10 anos e ocupa o local com várias obras públicas: diversas foram as vezes em que os próprios alemães tiveram que entrar com pedidos à prefetura para que aquelas esculturas virassem permanentes, tal era a relação íntima que os habitantes criaram com as peças.
PARQUE DE DIVERSÕES
Em Almourol, uma vila no centro de Portugal, as crianças e jovens que vão brincar no maior parque da cidade, o Vila Nova da Barquinha, revezam entre brinquedos já hiper explorados por elas como o trepa-trepa e outros que elas nunca viram e que, na verdade, foram feitos por artistas contemporâneos portugueses. A Ângela Ferreira (@angela_ferreira_) construiu uma estrutura que se mexe a partir do impulso dos balanços, a Joana Vasconcelos (@joana_vasconcelos_oficial) um quadrado com fitas plásticas coloridas, o Rui Chafes fez uma armadura gigante de tatu em ferro pintado de preto e o José Pedro Croft colocou espelhos enormes no jardim que duplicam e confundem a paisagem. É um parque de diversões para crianças e adultos, para quem sabe e quem não sabe que aquilo é um parque de arte contemporânea. Atenção: não se sinta ignorante por não saber se uma peça como essas é uma obra de arte ou não. Todo o mundo já passou por situações parecidas – até os maiores curadores e artistas e isso não quer dizer que eles cometeram gafes. O importante é procurar informações, ler nos textos de parede ou procurar na internet. E não ter vergonha de perguntar!
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DIGA “SIM!”
Na semana passada, vi duas crianças subindo numa escultura pública e os pais, desesperados, proibindo-os de fazer qualquer coisa: “Isso é uma obra de arte, não pode tocar!” seguido de “Aqui é um museu, comporte-se!”. Tenho dó: a probabilidade dessa criança crescer achando que museu é uma chatice é bem grande, já que o “não” é a palavra que ela mais escuta ali dentro. A obra pública é para ser tocada: ela leva chuva, sol e vento todos os dias, então o que quatro mãos infantis poderiam causar de tão grave? E mais do que isso: num ato genuíno, as crianças procuraram interagir e os pais preocupados com as boas maneiras nem repararam no convite que a obra fazia para subir, tocar ou simplesmente olhar para ela e refletir sobre o que provoca em você. Durante a minha infância, cansei de brincar nas esculturas do MAM (duas das quais citei no começo desse texto) e o fato de eu sempre ouvir “Sim” foi determinante para eu passar e me interessar por arte. Caso você leve uma criança para um museu ou se depare com uma obra pública no caminho, procure se informar antes de dizer não.
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