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Uma bienal só de artistas imigrantes? Agora temos!

Uma bienal só de artistas imigrantes? Agora temos!

 

A ideia não é juntar mais de 45 imigrantes para que eles falem mal do Trump; o objetivo é junta-los para que eles falem

Uma das coisas mais valiosas da arte é o ponto de vista. A única maneira que se pode sentir um pouquinho mais próximo de estar na pele do outro é por meio de filmes, das artes visuais, do teatro e qualquer outra criação artística que te faz enxergar a partir de outro ponto de vista, mesmo que seja só alguns centímetros de diferença. No momento de uma das maiores crises de imigração na história, quando o deslocamento traz ao mesmo tempo a novidade e a ameaça, a miscigenação e a segregação, o compartilhamento e o medo, olhar para o trabalho de artistas imigrantes desloca você da sua zona de conforto.

DAR VOZ PARA O OUTRO

 

The Immigrant Artist Biennial (TIAB) é a mais nova bienal dedicada a artistas imigrantes que vivem nos Estados Unidos, que aconteceria em março em oito instituições nova-iorquinas e, por ora, ganhou um formato online super interessante. Intitulada “Here, Together!”, a bienal reúne o que muitos artistas do mundo vem abordando em suas obras: novas formas de viver em comunidade. Esse evento se foca no Outro, com O maiúsculo, num momento em que o Outro nunca tem voz. São artistas que tiveram algum tipo de resistência para entrar nos Estados Unidos, estão tentando vistos e Green Cards, e enfrentaram situações de conflito por não serem americanos. Como imigrantes, muitos artistas não podem concorrer a prêmios e editais, são dificilmente representados por galerias, já que não tem um extenso currículo nacional, e sofrem preconceito do próprio cenário da arte que se diz inclusivo.

 

A iniciativa é da artista e curadora Katya Grokhovsky, que nasceu Odessa, na Ucrânia, mudou-se com a família para a Austrália depois da queda da URSS, e vive nos Estados Unidos desde 2009. A ideia dela não é juntar mais de 45 artistas para que falem mal do Trump: o objetivo é junta-los para que eles falem. Juntos, eles podem definir a sua própria identidade e compartilhar suas visões do que significa ser um imigrante hoje. No Instagram e em conversas e workshops no Zoom e, depois da quarentena, na Bienal física, são eles – e não nós – que dizem o que é ser imigrante.

Yali Romagoza, “The Mistress of Loneliness (Chapter 1, The Departure)”, 2019
Daniela Kostova, “Adventur Playground”, 2017

A ÁGUA ESTÁ BATENDO NO BUMBUM!

 

A iniciativa também cutuca a ferida de outros tantos preconceitos dento do sistema da arte: o valor tão menor que se dá à produção de artistas nascidos no chamado sul-geopolítico (basicamente aqueles que não tenham nascido em países fora do eixo América do Norte-Europa Ocidental); a diferença gritante entre o número de trabalhos feitos por homens e mulheres nas exposições e coleções do mundo inteiro; a discrepância entre a presença de pessoas brancas e negras no cenário da arte mundial, seja como artistas, curadores, equipe ou público. Os principais museus do mundo estão muito preocupados em correr atrás do prejuízo: do MoMA em Nova York à Bienal de São Paulo, da Tate de Londres ao Masp, boas novidades vão aparecendo antes tarde do que nunca.

Autorretratos de Lucian Freud, na exposição do Royal College of Art, em 2019

NÃO É NOVIDADE

 

Desde sempre, artistas eram imigrantes e imigrantes eram artistas. A começar por Lucian Freud, que é um dos artistas mais caros e aclamados atualmente, nasceu na Alemanha e fez carreira nos Estados Unidos. O que dizer do Alfredo Volpi (1896-1988), que nasceu na Itália, da Mira Schendel (1919-1988), que é Suíça, os cubanos Anna Mendieta (1948-1985) e Felix Gonzalez-Torres (1957-1996), que mexeram com a cena artística e social americana – isso só para citar alguns dos meus favoritos, mas a lista é interminável. Tantos imigrantes-artistas fizeram tanto sucesso fora do seu habitat natural – talvez porque seu olhar estrangeiro trouxesse outra perspectiva sobre a nossa realidade viciada. 

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