Uma obra precisa ser aprazível para chamar atenção?
Entenda como os trabalhos de Igor Vidor, que usa objetos como cápsulas de bala, podem ser ao mesmo tempo chocantes e efetivos
Em meio a uma fala bem construída e com vocabulário de quem fez uma corajosa pesquisa de campo, Igor Vidor (@igorvidor) diz que ficou curioso quando uma pessoa adquiriu uma instalação sua. Era feita com uma arma de brinquedo e cápsulas de bala encontradas no Morro do Vidigal. “Quando eu perguntei por que ele tinha comprado a obra, o colecionador respondeu que independentemente do trabalho ser aprazível ou não, ele quer colaborar para que minha pesquisa possa continuar”. A frase faz pensar: até que ponto a arte precisa ser bonita para chamar atenção? E, no caso de Igor, como objetos sem apelo estético algum podem ser efetivos para nos chocar?

DE ORDINÁRIOS A EXTRAORDINÁRIOS
Com a individual Heróis nunca celebram vilões – heróis apenas celebram vilões, que fica em cartaz na Galeria Leme, em São Paulo, até o dia 15 de agosto, o paulista Igor Vidor apresenta a violência diária no Rio de de Janeiro a partir do ponto de vista de quem enfrenta essa realidade de perto (ele mora lá). Diferente das narrativas de um documentário ou uma matéria de jornal, na exposição o visitante se vê, por exemplo, diante de uma furadeira ou guarda-chuva que foram confundidos por policiais com armas. “Nesse sentido faço um trabalho parecido com o policial, que transformou esses objetos em algo extraordinário e tirou a vida de alguém. Eu também converto esses utensílios em algo extraordinário, em arte”. Tem melhor maneira de aproximar a ameaça vivida diariamente no Rio das pessoas que visitam sua exposição em São Paulo? Ela pode não ser aprazível, mas é efetiva.
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POR FORA, BELA VIOLA
Por outro lado, vista de longe, a instalação Se você está ouvindo isso já é tarde demais (na foto acima) é linda. Mas é só chegar perto para perceber que os pendentes presos ao teto são cápsulas de balas. Desta maneira, o trabalho do Igor também discute o fetiche e o desejo que permeiam as armas e o poder, jogando com a estética da própria obra. Quem nunca brincou de arminha na infância ou viciou em um jogo de videogame violento? Aparentemente banais, esses costumes presentes em qualquer realidade ou classe sociais são, para o artista, bem mais perigosos do que se pensa. Eles podem ser um gatilho para a naturalização da violência.
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É CONTRADITÓRIO?
Você poderia pensar ser estranho esses objetos serem deslocados para um espaço do mercado da arte. Já eu acho louvável uma galeria usar sua programação para apresentar uma exposição não lá muito vendável (ainda bem que alguns colecionadores reconhecem a importância de comprar suas obras!). Deixamos para o modernismo a arte ser bonita e bem resolvida: na arte contemporânea, prepare-se para ser desafiado e sair bem incomodado de uma exposição. O trabalho deste, assim como de vários outros artistas, não está ligado à uma questão estética, gosto ou vocabulário visual. Mas em apresentar desdobramentos de um assunto tão enraizado e problemático numa sociedade. Resta ainda alguma dúvida de que a arte possa ser uma arma contra a violência?
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